segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Aproveitar a vida

“Aproveitar a vida não há de ser essencialmente adquirir, comprar, gozar, ter, viajar, dançar, transar, consumir. Tudo isso faz parte, e é ótimo, mas o que será exatamente esse aproveitar?

Nossa obsessão atual é, antes mesmo de dinheiro e posição social, a aparência física. Então viver não é avançar, mas consumir-se e definhar. No entanto, faz parte de crescer que na infância meus ossos se alonguem, que meu sapato não seja mais tamanho 25. Faz parte de crescer que na maturidade o corpo mude e siga se transformando mais.

Faz parte do processo da vida, não da morte, que aos 60, 70, 80 anos meu andar seja menos ágil, minha pele enrugada, meu corpo menos ereto, meus olhos menos brilhantes. Mas não faz parte que eu m e considere descartável e que me oculte na sombra sem direito a me movimentar, agir, participar ativamente – dentro das minhas naturais limitações.

Procurando-se tal como era vinte ou quarenta anos atrás, terá a sensação de que não existe mais. De que a pessoa do espelho é não uma continuação daquela anterior, mas uma traição da natureza.

Independente de genética, possibilidades reais, idade, estamos sempre frustrados porque não somos mais louros, mais morenos, mais magros, mais altos, mais atléticos. Por que razão cultivamos a idéia de que só a juventude é boa e bela, com direito de ousar, de renovar, de amar? Direito de ser, de ter espaço?
Boa parte dos nossos sofrimentos (falo dos dispensáveis) vem do fato de sermos tão infantis. Além da dor pelo que não somos fisicamente, sofremos pelo que ainda temos de fazer: comprar todos os produtos, freqüentar os lugares da moda, sobretudo: nunca sossegar, nunca se contentar, nunca se aceitar.

Isso não é viver a vida, muito menos aproveitá-la.”

Livro: Perdas e Ganhos
Autor: Lya Luft 

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