quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Sempre há o que celebrar

“Uma velha senhora mora sozinha mas curte as amizades, a família, livros e músicas, a natureza. De vez em quando abre uma garrafa de champanha e faz um brinde, sozinha – não chorosa: a coisas boas que teve, coisas boas que tem, e uma ou outra que ainda pretende viver.

Um dia lhe manifestei minha admiração por isso. Ela respondeu que sempre havia o que celebrar. Era um privilégio estar viva tendo consciência disso, e sem graves problemas de saúde. Poder apreciar a luz da manhã, o aroma da comida, o perfume das pessoas. Comunicar-se, saber das noticias... o que eu quiser. Participar ainda.

Sua idade não era o ponto de estagnação, mas de fazer tranquilamente as coisas que antes não podia. Não tinha mais que cumprir tantos deveres nem realizar tantas expectativas.”

Livro: Perdas e Ganhos
Autor: Lya Luft    

Velha chata


“O velho sempre bonzinho é um mito, a velhinha doce pode ser comum nos livros de história, mas na realidade é muito diferente. Eventualmente o velho pode ser um algoz, exercendo sobre a família a famosa tirania do mais fraco, do doente, da criança mimada.

Algumas pessoas, envelhecendo, se tornam insuportavelmente exigentes, lamuriosas, difíceis de conviver.  Apegadas a um passado com bens, presenças, aparências e atividades que não podem mais ter, não se conformam.

Nem sempre os velhos ficam isolados porque os filhos são ingratos. Muitas vezes é ele que afasta os demais, com sua permanente crítica a tudo e a todos,  suas exigências de atenções nem sempre possíveis.
‘O problema dos velhos é que lhes falta o que fazer, faltam interesses” a gente diz como se fosse uma inevitabilidade. Não é inevitável. Porque o velho não pode ter a sua vontade enquanto for independente, enquanto tiver lucidez?

Novos afetos são possíveis a qualquer idade. Nem mesmo amor, ternura e sensualidade são privilégio dos moços. Mas muitas vezes não lhe permitem a mínima independência, ainda que ela seja totalmente viável.
Essa é a sentença condenatória: na sua idade, na minha idade."

Livro: Perdas e Ganhos
Autor: Lya Luft   

Encantos da velhice


“Algumas pessoas parecem tombar subitamente da juventude impensada para a velhice ressentida. Foram apanhados desprevenidos. Estavam desatentos. Triste maneira de percorrer isso que é afinal o milagre da existência.

Para quem só pensa nos desencantos da maturidade, eu falo no encanto. Para quem só sabe da resignação da velhice, eu lembro a possível sabedoria da velhice. Perder nos deixa vulneráveis, com medo de que isso se repita. De que o amado nos esqueça, de que o outro morra, de que a graça se apague, a festa acabe. Mas se escutarmos bem nosso interior, ali está a voz persistente dos momentos alegres e das belas experiências dizendo-nos que viver ainda é possível.

Questiono se ter 80 anos ou mais será realmente uma condenação ou se pode ser um coroamento de uma vida. Generosa, de conquistas, de perdas mas igualmente de elaboração e acúmulo. Vivida com gosto e dor, com afetos bons e outros menos. O prato luminoso do positivo mais pesado do que o das coisas escuras.”

Livro: Perdas e Ganhos
Autor: Lya Luft  

Novas avós ou novos conceitos?


“Há poucas décadas alteraram-se nossos prazos, e os conceitos sobre juventude, maturidade e velhice. Passamos a viver mais. Nem sempre a viver melhor. Minhas avós, muito mais jovens do que sou agora, eram velhas: lentas e vagamente reumáticas, roupa escura, cabelo grisalho, óculos na ponta do nariz, fazendo doces ou tricô. 

Hoje as avós dirigem seu carro, viajam, jantam fora com amigas, namoram, usam computador, e de modo geral parecem muito mais felizes do que as damas de antigamente. Mas por outro lado, mais do que nunca impera o repúdio à velhice.

Somos seres humanos completos em qualquer fase, ou melhor, na completude daquela fase. Custa-nos acreditar nisso na velhice, como na adolescência era difícil sermos confiantes nas nossas escolhas quanto ao futuro.

Porém, numa sociedade em que sucesso e felicidade se reduzem a dinheiro, aparência e sexo, se somos maduros ou velhos estamos descartados. Cada dia será o dia do desencanto. Em lugar de viver estaremos sendo consumidos. Em vez de conquistar estaremos sendo devorados pelos nossos fantasmas – na medida em que permitirmos isso.”

Livro: Perdas e Ganhos
Autor: Lya Luft  

sábado, 22 de janeiro de 2011

Velhice, por que não?




“Palavras significam emoções e conceitos, portanto preconceitos. Por isso quero falar de minha implicância com os vocábulos velho, velhice. Predomina a idéia de que a velhice é uma sentença da qual se deve fugir a qualquer custo. Adotamos essa hipótese sem muita discussão, ainda que seja em nosso desfavor. Isso se manifesta até na pressa com que acrescentamos, como desculpa: sim, você está, eu estou, velho aos 80 anos, mas jovem de espírito. E por que ser jovem de espírito seria melhor do que ter um espírito maduro ou velho?”

Livro: Perdas e Ganhos
Autor: Lya Luft  

Nunca é tarde


“Escrevi  aos 40 anos meu primeiro romance. Descobri com dor e dificuldade, acabei encontrando o caminho.
E observei que naquele momento da nossa cultura muitas mulheres começavam a crescer como seres humanos e como profissionais mais ou menos naquela idade e com as mesmas vivências.

Percebi que, nisso que provavelmente estava sendo a metade de minha vida, ainda havia muito por fazer. Como tantas mulheres, vi que não era hora de pensar em parar, em temer a menopausa, o futuro, a saída dos filhos de casa ou lamentar a juventude que passava... mas de reestruturar, desenvolver, até iniciar muita coisa nova.
Amadurecer começou ali. E foi uma sequência de descobertas, com muitas dificuldades e muita alegria.”

Livro: Perdas e Ganhos
Autor: Lya Luft  

Coisas da maturidade

“ Perdemos muito tempo tentando iludir o tempo. Fatalmente amadurecemos, mas não nos sentimos mais serenos, nem estamos mais contentes. Como é que posso me sentir contente a esta altura, com 50 anos? Aos 60, 70, a catástrofe?

Muitas coisas boas podemos fazer na maturidade, que na juventude não conseguíamos. Faltava-los disponibilidade, experiência e liberdade, visão. Estávamos ocupados demais, tensos demais, divididos demais.

Se não houver nada de imediato para fazer, inventaremos algo. Pode ser apenas contemplação. Pensar. Ler. Olhar. Caminhar. Quando menos esperamos, salta à nossa frente algo para fazer concretamente.”

Livro: Perdas e Ganhos
Autor: Lya Luft  

Tempo de madureza



“Todos precisamos encontrar uma solução para o inibidor medo da passagem do tempo, que é afinal medo de viver. Preferíamos nem viver para não gastarmos a alma. Mas como é que se pode ter vontade, se parece que a cada dia a gente perde alguma coisa?

Tenho hoje uma lista de pessoas que amei e que se afastaram ou morreram; se eu chegar aos 80 anos, ela certamente terá crescido. Mas tenho uma doce lista de pessoas que chegaram: não só netos, mas novos amigos de todas as idades. Sem falar nas inovações tecnológicas, nas descobertas que tentarei acompanhar, nos livros por ler, nas coisas a fazer.

Mas como é possível que algo melhore com a idade? Embora muitas vezes me atrapalhe, erre, cometa todas as futilidades imagináveis, não tenho a afobação nem a insegurança dos 20 anos. Nem aquela simpática pontinha de arrogância que faz com que, jovens, pensemos que o mundo é nosso – e nos deve homenagens.

Meu corpo está mudando como está desde que nasci. Meu coração se transforma a cada experiência. Mas ainda palpita, se sobressalta e se assusta. Ainda sou vulnerável ao belo e bom, ao ruim e ao decepcionante, como quando eu tinha 10 anos. 

Somos isso: somos essa mistura, essa contradição, essa indagação permanente. Estamos vivos. Tem algumas vantagens, esse tempo de madureza de que fala o poeta.

Que liberdade não ter mais que decidir caminhos profissionais; parir e criar filhos, comprar casa, apertar orçamentos; temer a vastidão do futuro – e haveria lugar para mim dentro dele?

Muita coisa que em seu tempo foi dramática,  hoje é lembrança que me faz sorrir compadecida com aquela que se enrolava em tantas trapalhadas. 

Tive perdas, e se multiplicam com o passar do tempo. Tive ganhos, num saldo que não me faz sentir injustiçada. Especialmente, não perdi essa obstinada confiança que me impele a prosseguir quando o próximo passo parece difícil demais.”

Livro: Perdas e Ganhos
Autor: Lya Luft  

Quem tem medo do novo?


"Quem é que tem medo
afinal de crescer?
Já que tudo isso
é apenas viver…
A gente não gosta
de ser diferente.
Mas goste ou não goste,
tem que andar pra frente!
Voar como o vento!
Pois quem pára é poste:
A vida é movimento!"

Livro: Quem Tem Medo do Novo?
Autor: Ruth Rocha  

Esse livro, apesar de infantil, pode ensinar muito para nós adultos que temos medo de tanta coisa, chegamos mesmo a ter medo de viver. Ainda não li o livro, apenas encontrei esse trecho em  um blog, mas com certeza está na minha lista de compras, ou melhor, na nossa lista, pois a Ana Júlia com certeza irá gostar. 

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Voltar a florescer


“Mesmo depois que os anos devastaram muita coisa (talvez a família, o trabalho, meu corpo, meus amores), o que foi bom pode permanecer – não sombra ou vazio, mas motivo de voltar a florescer. Arrastar a cadeira para fora da zona de sombra e sentar-se um pouco ao sol. Passado o primeiro horror de alguma perda grave, na treva da impotência e inconformidade, começam a abrir-se frestas por onde a antiga claridade se derrama no agora.

Tudo nos convoca: não mais para chorar o passado, mas para projetar no presente aquilo que tendo sido belo não se perdeu. E a gente vai tomando consciência de que deve também aos amores que teve, aos amigos que quase esqueceu, à casa vendida junto com parte da infância, à pessoa que se foi em todos esses anos, poder viver melhor outra vez. Com outra pessoa ou sozinha, em outra casa, com outros amigos, com novos objetos ou entre os antigos.

Das belas coisas que acabaram nos vêm sempre uma luz e uma capacidade de ver o mais banal com algum encantamento. Para viver qualquer fase com alegria, vitalidade, é preciso acreditar que vale a pena. Que existem modos de ser feliz, mais feliz, e podemos persegui-los.”

Livro: Perdas e Ganhos
Autor: Lya Luft