sábado, 30 de abril de 2011

O prazer de navegar

"Entre o porto e o mar, eu prefiro o mar...
Entre as respostas e as perguntas, eu prefiro as perguntas...
Não sei ensinar chegadas, só partidas.
'Eu só dou resposta para perguntas que ninguém perguntou' dizia Guimarães Rosa
Respostas são o começo de um outro mundo.

Não gosto de conclusões. Conclusões são chaves que fecham. Palavras não conclusivas, que deixam abertas as portas das gaiolas para que os pássaros voem de novo. Cada conclusão faz parar o pensamento. Quando o pensamento aparece assassinado, pode-se ter certeza de que o criminoso foi uma conclusão...

Você não sabe que uma idéia clara faz parar a conversa, enquanto uma idéia mergulhada na sombra dá asas às palavras e a conversa não tem fim?

Prefiro navegar a atracar no porto. Guimarães Rosa dizia que a coisa não estava nem na partida e nem na chegada, mas na travessia.

A pura alegria de navegar,
a pura alegria de pensar,
palavras voando ao Vento
pela pura alegria de voar. "

Livro: O Poeta, O Guerreiro, O Profeta
Autor: Rubem A. Alves

Uma boa lição para um professor competente

"O professor começa daquilo que se conhece e prossegue metodicamente na direção do desconhecido, construindo pontos com os materiais disponíveis, tecendo com rigor suas redes de palavras. As palavras marcham, como soldados, na direção predeterminada.

Mas assim que atravessei o espelho percebi que, lá dentro, as palavras se recusam a marchar. Não obedecem ordens. São surdas ao ritmo do tambor. Elas pulam e dançam como se estivessem num espetáculo coreográfico. É a associação livre ds idéias...Mas quem é que entregaria o seu filho a um professor-dançarino?

O professor dá uma lição; ele lê um texto. E houve mesmo um tempo que recebia o nome de lente, o leitor. Um texto são palavras imobilizadas no papel pela química da tinta. Quando elas aparecem pela primeira vez, seu estado não era este: mais se pareciam com pássaros selvagens, batendo suas asas... O professor armou suas arapucas, pegou os pássaros, selecionou os que lhe interessavam, e engaiolou-os com papel e tinta. Pobres palavras... Perderam sua liberdade. Agora estáo congeladas no tempo e no espaço. Mas depois, quando o professor se puser a lê-las, será a sua vez de perder a liberdade. Agora, sob o comando das palavras escritas, ele será obrigado a dizer aquilo a que elas o obrigam. Mas, no momento da leitura, a física da luz faz com que elas voem do papel para os olhos, dos olhos para a morada dos pensamento, e daí para a boca. E o lente as transforma em sons. Ele as diz. Se, por um acaso, pássaros diferentes passam batendo suas asas, ele faz de conta que não os vê. Se ele se sente tentado a voar com eles, o texto o chama de volta.  Barthes, no seu maravilhoso livro sobre a fotografia, diz que cada foto é uma imagem da morte. O que se vê é um momento que j[a foi, que não existe mais. A mesma coisa pode ser dita de um texto.

Este é o preço que se paga pela segurança. Pássaros selvagens são tão imprevisíveis quanto o Vento; não se sabem donde vêm e nem para onde vão. Sempre que aparecem provocam uma enorme confusão na ordem militar e rigorosa do texto escrito. É óbvio que um professor prudente poderá brincar com elas em casa, mas terá o cuidado de fechar as janelas da sala de aula pois, cso contrário, ele poderá perder o controle do conhecimento que deve transmitir.

Por razões que não conheço, comecei a gostar mais dos pássaros voantes do que dos engaiolados. O fato é que me tornei incapaz de ler meus textos do princípio ao fim. Ao final, ao invés de chegar a uma conclusão clara e distinta, o que tinha era um punhado de fragmentos e perguntas. E comecei a me perguntar se eu ainda era um professor, ou se eu havia me convertido ao estilo dos mestres Zen."

Livro: O Poeta, O Guerreiro, O Profeta
Autor: Rubem A. Alves

Um bom professor




"Um bom professor: um bom espelho...

Cada palavra um reflexo fiel:
fazer visível e luminoso o mundo que existe lá fora;
falar a verdade, a verdade toda, nada mais que a verdade.


Mas para que isto aconteça é preciso que o espelho esteja vazio. O espelho é vazio de si mesmo. Nada tem para mostar. Mostra sempre algo que está fora, que não é ele mesmo. Acontece que meu espelho ficou cansado desta função de só repetir o que vinha de fora e começou a ter idéias próprias. Será que até mesmo os espelhos têm um lado de dentro? Não consegui resistir à curiosidade. Era perigoso brincar com espelhos e um professor não deveria sair do mundo dos reflexos.


Suas aventuras do lado de lá do espelho tratou de mantê-las a salvo do "guardiões dos espelhos" - há tantos por todos os lados, vestidos de batina, de aventais científicos e becas filosóficas... - disfarçou-as sob a forma de histórias para crianças. E todo mundo sabe que, no mundo da fantasia infantil, tudo é permitido, nada é para ser levado a sério."

Livro: O Poeta, O Guerreiro, O Profeta
Autor: Rubem A. Alves

Começando a aprender


"- O truque, Chico, está em que tentamos ultrapassar as nossas limitações progressiva e pacientemente.
- Eu não... não morri?
- O que conseguiste fazer foi modificar teu nível de consciencialização de modo assaz brusco. Agora tens a liberdade para escolher: ou ficar aqui e aprender a este nível - que, a propósito, é mais evoluído do que o que deixaste - ou regressar e continuar trabalhando com o Bando.
- Quero voltar para o Bando, é claro. Mal comecei a treinar o novo grupo!
- Lembras-te do que dissemos acerca de o nosso corpo não ser mais do que o próprio pensamento...?
- Por que será - interrogou-se Fernão - que a coisa mais difícil no mundo é convencer um pássaro de que é livre e de que pode prová-lo a si próprio se se dedicar a treinar um pouco?"

"- Fernão, lembras-te do que disseste, acerca de amar o Bando o bastante para voltar a ele e ajudá-lo a aprender? Não compreendo como consegues amar um punhado de pássaros que acabam de tentar te matar.
- Oh Chico! Não é isso que amas! Tu não amas o ódio e o inferno, é claro. Tens de treinar até veres a verdadeira gaivota, o que há de bom em cada uma delas, e ajudá-las a ver isso nelas próprias. Para mim, o amor é isso. Lembro-me de um jovem pássaro refilão chamado Francisco Coutinho Gaivota. Acabava de ser Banido; estava pronto a lutar com o Bando até a morte e começou por construir o seu próprio inferno. E aqui está ele hoje, a construir o seu próprio paraíso e a guiar todo o Bando nessa direção.
- Eu, a guiá-los?
- Tu já não precisas de mim. Precisas continuar descobrindo pouco a pouco, todos os dias, o verdadeiro e ilimitado Francisco Gaivota. É ele o teu melhor instrutor. Precisas de o compreender e de o treinar. .. Não os deixes espalhar boatos a meu respeito, fazerem de mim um deus.... sumiu.
- Fernão!
- Pobre Chico! Náo creias no que os teus olhos te dizem. Tudo o que mostram é limitação. Olha com o entendimento, descobre o que já sabes e verás como voar."


"... primeira lição ao grupo.
- Para começar - disse Francisco pesadamente - têm de compreender que uma gaivota é uma ilimitada idéia de liberdade, uma imagem da Grande Gaivota, e todo o vosso corpo, da ponta de uma asa à outra, não é mais do que o vosso próprio pensamento... Compreendeu de súbito que o seu amigo não fora mais divino do que ele próprio. Não há limites Fernão!? pensou.
Embora tentasse mostrar-se severo com os seus alunos, Francisco Gaivota viu-os de repente como eram realmente, e mais do que gostou, amou o que viu. Não há limites, Fernão? pensou , e sorriu. A sua corrida para a aprendizagem acabava de começar."

Livro: Fernão Capelo Gaivota
Autor: Jonathan Seagull, Richard Bach

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Ensinando

"Francisco Coutinho Gaivota era bastante novo, mas já sabia que nunca um pássaro fora tratado com tanta aspereza por nenhum Bando ou com tanta injustiça.
- Voar tem muito mais valor do que esvoaçar de um lado para o outro! Não percebem a glória que será quando aprendermos a voar realmente? Não importa o que pensam. Mostrar-lhes-ei o que é voar!
A voz surgiu dentro da sua cabeça e, embora fosse muito suave, sobressaltou-o de tal maneira que vacilou e rebolou no ar.
- Não sejas duro com eles, Francisco Gaivota. Ao expulsarem-te, as outras gaivotas só fizeram mal a si prórpias e um dia sabê-lo-ão, e um dia verão o que tu vês. Perdoa-lhes e ajuda-as a compreender."

"- Francisco Coutinho Gaivota, queres voar tanto que perdoarás ao Bando, e aprender e voltar um dia para os ajudares a conhecer?
- Quero.
- Então, Chico, vamos começar..."

"A atrapalhação de Francisco no topo foi como uma chicotada, foi o pior que lhe podia ter acontecido e enfureceu-se por ter falhado.
- Perdes o teu tempo comigo, Fernão! Tento e volto a tentar mas nunca conseguirei!
- Tens de ser suave! Firme mas suave."

"Ao cabo de três meses, Fernão tinha mais seis discípulos, todos Banidos, mas ainda curiosos acerca desta estranha e nova ideia de voar pelo prazer de voar. Contudo, era-lhes mais fácil praticar altas execuções do que compreender a razão que existia por detrás delas.
- Cada um de nós é, em realidade, uma idéia da Grande Gaivota, uma idéia ilimitada de liberdade. E o voo de precisão é um passo em frente para expressarmos a nossa verdadeira natureza. Temos de pôr de parte tudo o que nos limita.
Mas nenhum deles, nem mesmo Francisco Coutinho, chegara a crer que o voo de idéias pudesse de fato ser tão real como o voo de vento e penas.
- Todo o vosso corpo, da ponta de uma asa à outra - diria Fernão outras vezes - não é mais do que o vosso próprio pensamento, numa forma que podem ver. Quebrem as correntes do vosso pensamento e conseguirão quebrar as correntes do vosso corpo.
... o que dissesse soava sempre como ficção agradável.
- Nós somos livres para ir aonde nos aprouver e sermos o que somos. A Lei dizia: fica. Fernão dizia: vai."

"... Ignorem-nos. A gaivota que falar a um Banido será Banida. A gaivota que olhar para um Banido quebrará a Lei do Bando.
... pela primeira vez, Fernão começou a instigar os seus alunos até o limite da sua capacidade. Foi assim que o calado Martinho Gaivota, sobressaltado pelo fogo que o seu instrutor lhe ateara, se surpreendeu a si próprio tornando-se um especialista em baixas velocidades. Rolando Gaivota estava maravilhado e feliz, decidiu ir ainda mais alto no dia seguinte.
A todo momento, lá estava Fernão ao lado de cada um dos seus discípulos, demonstrando, sugerindo, instigando, conduzindo."

"- Tu tens a liberdade de seres tu mesmo, de seres o teu próprio eu, aqui e agora, e não há nada que possa interpor-se no teu caminho. Essa é a Lei da Grande Gaivota, a Leis que É.
- Queres dizer que posso voar?
- Digo que és livre."

" Falava de coisas muito simples - de que as gaivotas têm o direito de voar, de que a liberdade é própria da sua natureza, de que todo aquele que se opusesse a essa liberdade devia ser posto de parte.
- Como podes esperar que voemos como tu? Tu és especial, dotado e divino, muito acima dos outros pássaros.
- Olhem para Francisco! Teseu! Rolando! São também especiais, dotados e divinos? Não mais do que vocês, não mais do que eu. A única diferença, a única de fato, é que eles começaram a compreender o que são relamente e decidiram por em prática esse conhecimento.
A multidão crescia de dia para dia, vinham fazer perguntas, idolatrá-lo ou injuriá-lo."

" - Dizem no Bando que, se não és o Filho da Própria Grande Gaivota, tens um avanço de mil anos em relação ao nosso tempo - contou Francisco a Fernão.
Fernão suspirou. O preço de ser incompreendido, pensou. Tão depressa és diabo como deus.
- E tu que pensas, Chico?
- Bem, esta maneira de voar sempre esteve ao alcance de quem a quisesse descobrir. Não tem nada a ver com o tempo. Talvez estejamos avançados em relação à moda. Avançados em relação à maneira como voa a maior parte das gaivotas."

Livro: Fernão Capelo Gaivota
Autor: Jonathan Seagull, Richard Bach

Aprendendo novamente

"- Este mundo não é o Paraíso, pois não?
- Tu estás aprendendo outra vez, Fernão Gaivota.
- Não, Fernão, não há tal lugar. O Paraíso não é  um lugar nem um tempo. O Paraíso é ser perfeito. Começarás a  aproximar-te do Paraíso no momento que alcançares a velocidade perfeita. E isso não é voar a mil e quinhentos quilômetros, nem a um milhão, nem voar à velocidade da luz. Porque nenhum número é um limite e a perfeição não tem limites. A velocidade perfeita, meu filho, é estar ali."


"As gaivotas que desprezam a perfeição por amor ao movimento não chegam a parte alguma, devagar. As que ignoram o movimento por amor à perfeição chegam a toda a parte, instantaneamente. O Paraíso não é um lugar nem um tempo, porque lugar e tempo não significam nada."


" - Para voares à velocidade do pensamento, para onde quer que seja, deves começar por saber que já chegaste. O truque estava em Fernão deixar de se ver aprisionado dentro de um corpo limitado. Estava em saber que a sua verdadeira natureza vivia tão perfeita como um número não escrito, em toda a parte e ao mesmo tempo, através do espaço e do tempo."


"Tu tens menos medo de aprender do que qualquer outra gaivota que conhece em dez mil anos. Podemos começar a trabalhar com o tempo, até poderes voar o passado e o futuro. E então estarás preparado para começar com o mais difícil, o mais potente e divertido de tudo. Estarás preparado para voar no além  e conhecer o significado das palavras bondade e amor."


"Aprendera sempre depressa... nunca deixarem de aprender, de treinar e de lutar por compreenderem cada vez melhor o perfeito e invisível princípio de toda a vida. Continua trabalhando no amor, Fernão."


"Se ele tivesse sabido que havia só um décimo, um centésimo do que aprendera aqui, como a vida teria sido mais válida!"



"Quanto mais Fernão treinava seus exercícios de bondade, quanto mais trabalhava para compreender a natureza do amor, mais desejava regressar à Terra. Porque, apesar do seu passado solitário, Fernão Gaivota nascera instrutor, e a sua maneira de demonstrar o amor era dar alguma da verdade que ele próprio descobrira a uma gaivota que apenas pedisse uma oportunidade para vislumbrar essa verdade."

"- Fernão, tu foste Banido uma vez. O que é que te leva a pensar que alguma das gaivots do teu tempo te ouviriam agora? Tu conheces o provérbio, que é bem verdade: vê mais longe a gaivota que voa mais alto...Elas estão a mil e quinhenos quilometros do Paraíso, e dizes tu que lhes queres mostra o Paraíso, de onde estão! Elas nem vêem a própria ponta das asas! Fica aqui. Fica aqui ajudando as novas gaivotas, essas que estão suficientemente cultivadas para compreenderem o que lhes tens a dizer."

"... ele não podia impedir-se de pensar que talvez houvesse uma ou duas gaivotas na Terra que também pudessem aprender."

"- Acho que vou sentir a tua falta, Fernão.
- Não sejas tonto! Afinal o que é que estamos treinando todos os dias? Se a nossa amizade depende de coisas como o espaço e o tempo, então , quando finalmente ultrapassarmos o espaço e o tempo, teremos destruído a nossa fraternidade! Mas ultrapassado o espaço, tudo o que nos resta é Aqui. Ultrapassado o tempo, tudo que nos resta é Agora. E entre Aqui e Agora não crês que poderemos ver-nos uma ou duas vezes?"




Livro: Fernão Capelo Gaivota
Autor: Jonathan Seagull, Richard Bach

Fernão Capelo Gaivota

"A maior parte das gaivotas não se preocupa em aprender mais do que simples fatos do voo. Para a maioria, o importante não é voar mas comer. Para esta gaivota, contudo, o importante não era comer, mas voar.

- Porque é que te custa tanto para ser como o resto do bando?
- Eu só quero saber o que posso fazer no ar e o que não posso.
- Não esqueças que a razão por que voas é comer.

Fernando, feliz, aprendendo. Trabalhando até ao limite da sua capacidade."

"O fracasso pesava-lhe ainda mais nas costas. Desejou que o peso fosse o bastante para o arrastar docemente até ao fundo e acabar para sempre. Não há nada a fazer. Minha naturez limita-me.

Sentiu-se melhor depois da decisão de ser apenas mais um dos do  bando. De aí em diane não havera mais laços  prendê-lo à força que o levara a aprender, não haveria mais desafios nem fracassos. E era bom deixar de pensar."

"... não sentia remorsos por não cumprir as promessas que fizera a si próprio. Quem conseguiu chegar à excelência da sua aprendizagem não tem necessidade desse tipo de promessas. Treinava outra vez.

Ele estava vivo, ligeiramente trêmulo de prazer, orgulhoso de que seu medo estivesse dominado. Mas a velocidade era poder, e era alegria e beleza pura. Na sua mente latejava o triunfo. ... dispos-se imediatamente a descobrir como virar."

"Não quero honras. Não me interessa ser chefe. Só quero partilhar o que descobri, mostrar a todos esses horizontes que estão à nossa frente."

"Quem é mais responsável do que uma gaivota que descobre e desenvolve um significado, um propósito mais elevado na vida? ... agora temos uma razão para viver, para aprender, para descobrir, para sermos livres!

... não lamentava o preço que pagara por isso. Descobriu que o tédio, o medo e a ira são as razões porque a vida de uma gaivota é tão curta e, sem isso a perturbar-lhe o pensamento, viveu de fato uma vida longa e feliz."

"Acabou-se uma escola e chegou a altura de começar outra. Ele podia voar mais alto e era tempo de ir para casa. Lançou um último longo olhar pelo céu, por aquela magnífica terra prateada onde aprendera tanto. Então o paraíso é isto...

Em realidade, era o mesmo Fernão Capelo Gaivota que sempre vivera por detrás dos olhos dourados. Só a forma exterior que se modificara. Era como o corpo de uma gaivota, mas voava muito melhor do que o antigo jamais voara. "

"No Paraíso, pensou, não devia haver limites. Novas paragens, novos pensamentos, novas perguntas. Porqueê tão poucas gaivotas? E porque é que de repente, fiquei tão cansado? As gaivotas no Paraíso nunca devem cansar-se, nem dormir.

A lembrança da sua vida, na Terra sumia-se. A Terra fora um lugar onde aprendera muito, é certo, mas os pormenores estavam esmaecidos."

"Neste lugar havia tanto para aprender acerca do voo como houvera na vida que deixara para trás. Mas com uma diferença. Aqui havia gaivotas que pensavam como ele. Para cada uma delas o mais importante na vida era olhar em frente e alcançar a perfeição naquilo que mais gostavam de fazer."

"- Onde estão os outros? Porque somos tão poucos aqui?
- A única resposta que encontro, Fernão, é que tu és um daqueles pássaros que se encontram num milhão. Quase todos nós percorremos um longo caminho. Fomos de um mundo para o outro, que era praticamente igual ao primeiro, esquecendo logo de onde viéramos, não nos preocupando para onde íamos, vivendo no momento presente. Tens alguma idéia de por quantas vidas tivemos que passar até chegarmos a ter a primeira intuição de haver na vida algo mais do que comer, ou lutar, ou ter uma posição importante dentro do Bando?... até começarmos a aprender que há uma coisa chamada perfeição e para nos convencermos de que o nosso objetivo na vida é encontrar essa perfeição e levá-la ao extremo. Escolheremos o nosso próximo mundo através daquilo que aprendemos neste. Não aprender nada significa que o próximo mundo será igual a este, com as mesmas limitações e pesos de chumbo a vencer.

- Mas tu, Fernão, aprendeste tanto de uma só vez que não tiveste de passar por mil vidas para chegar a esta."

Livro: Fernão Capelo Gaivota
Autor: Jonathan Seagull, Richard Bach

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Escritor

"A obra prima pode ser a primeira, a décima segunda ou a última obra de um determinado autor. Quem assina a obra completa é a morte. Enquanto vivo, o escritor é um ser em construção"

"Um escritor somente é escritor quando menos é escritor, no instante mesmo em que tenta ser escritor e escreve. Na absoluta solidão de seu ofício, enquanto a mente elabora as frases e a mão corre para acompanhar-lhe o raciocínio, é escritor. Nesse espaço, entre o pensamento e a expressão, vibra no ar um ser sutil, fátuo e que, terminada a frase, concluído o texto, se evapora. Nesse átimo, o escritor é escritor. Aí e somente aí. Depois, já é o primeiro leitor, o primeiro crítico de si mesmo e não mais escritor."

Charles Kiefer

Ser

"Um ser humano será, acima de tudo, aquilo que tiver projetado ser."

Jean Paul Sartre

terça-feira, 5 de abril de 2011

Equilíbrio

"Há um equilíbrio que não está nem em você, nem em mim, mas num meio termo entre nós dois"

Autor desconhecido

sábado, 2 de abril de 2011

Uma história

E assim termino PEQUENA ABELHA. Vamos a mais um novo livro.. obaaa!!!

“Uma história triste quer dizer: essa contadora de histórias está viva. Daí a pouco, alguma coisa boa vai acontecer com ela, uma coisa maravilhosa, e ela vai se virar e sorrir.”

“Não queria contar a ela o que havia acontecido, mas agora tinha de contar. Não conseguia parar de falar porque, agora que eu começara minha história, essa história queria ser concluída. Não podemos escolher onde começar e onde parar. Nossas histórias é que são as contadoras de nós”

Livro: Pequena Abelha
Autor: Chris Cleave

Morte - Pequena Abelha

"Depressão fora o que matara meu marido – depressão e culpa. Mas meu filho não acreditava em morte, muito menos na possibilidade de a morte ser causada por meras emoções. Meu marido disse estar um tanto perdido. Para um leigo, perdido seria sinônimo de desorientado. Vindo de meu marido, foi um adeus calculado. Como eu gostaria de ter prestado mais atenção nele.

Nunca fui dessas mulheres felizes que insistem que a desgraça acontece de uma forma inesperada. Para mim, existem incontáveis presságios, inúmeras pequenas falhas na normalidade.

Como explicar a meu filho que os sinais de aviso eram sutis demais? Que a desgraça, quando está bem certa de sua força, anuncia-se quase sem mover os lábios?

Quando o olhei de relance pela última vez, antes de fechar a porta do quarto, ainda me seguia com os olhos. Meu marido abriu a boca para dizer alguma coisa, mas eu estava atrasada e fui embora."


"Achei que seria demais querer que meu filho de quatro anos compreendesse a separação entre corpo e espírito. Acho que se eu tivesse conseguido fazê-lo sentar e explicasse tudo com calma ele teria ficado plenamente satisfeito.
- Onde está meu papai agora nesse minuto?
- Seu papai está nas colinas do céu.
- Mamãe, por que eles botaram a chaixa aí dentro?
- Acho que é para ficar bem guardada.
- Onde é que é o céu, mamãe?
- Mais tarde a gente fala sobre isso, querido, está bem?
- Meu papai está dentro daquela caixa?
- Seu papai está no céu, Charlie.
- Aquela caixa é o céu? Mamãe, tira ele daí! Tira meu papai do céu!
(Charlie caiu no buraco, em cima do caixão)
Lá embaixo, no escuro, meu filho estava socando o caixão e gritando:
- Papai, papai! Sai daí!
A mente do meu filho simplesmente não cogitava a possibilidade de deixar de superar aquele desafio. Ele berrava, furioso, enraivecido. Não desistira, mas, se eu quiser ser exata e me forçar agora a definir o momento preciso de toda essa história em que meu coração se partiu de modo irreparável, foi quando vi o cansaço e a dúvida começarem a se apossar dos pequenos músculos de meu filho enquanto seus dedos escorregavam, pela décima vez, na tampa de carvalho claro.

O horror daquela situação, daquela primeira descoberta da morte que era pior do que a própria morte. Eu lutava para me soltar, olhava todos os rostos horrorizados ao redor do túmulo e pensava: por que ninguém faz nada? Mas é difícil, muito difícil ser o primeiro.

Os gritos de meu filho pareceram continuar por um espaço dolorosamente longo de tempo."


“Os adultos não sabem como expressar o pesar. Sabia que deveria me sentir arrasada, é claro. Minha vida perdera o sentido. Não é esta a frase que se usa? Mas lá estava eu de olhos secos. Ainda tentando me sentir triste como deveria. Ainda remoendo as lembranças de minha vida breve com o pobre Andrew. Buscando o ponto crucial, a lembrança que desencadearia algum sintoma de angústia quando fosse resgatada. Lágrimas, talvez, sob uma pressão indescritível. Minha vida entrou num espiral descendente perversa. Não conseguia imaginar passar o dia sem ele.
Era exaustiva essa sondagem da tristeza, sem ao menos saber se havia tristeza a ser encontrada no fundo. A idéia de fugir dali apresentou-se marota e inesperada. Mas a vida tende a não deixar nenhum de nós fugir.”  

“Enterros são sempre assim. Todos os velhos esqueletos saem de dento dos armários da maneira mais teatral. Não se consegue ficar longe deles.”

“Quando ocorre uma perda tão fundmental, suponho que perder apenas uma coisa a mais – um dedo, talvez, ou um marido – não tem a menor importância."

“Se eu estivesse morta, você poderia fazer de mim uma mulher inteira.”

“Não houvera dor imediata e prápia por Andrew porque eu o perdera lentamente. Não é pelos mortos que choramos. Choramos por nós mesmos, e eu não merecia ter pena de mim mesma.”

“Quando todo mundo já morreu, às vezes você acha que seria mais fácil ir se juntar a eles, sabe? Mas você tem de seguir em frente.”

"Temos que ver todas as cicatrizes como algo belo. Uma cicatriz nunca é feia. Uma cicatriz não se forma num morto. Ela significa: ‘Eu sobrevivi.’"


Livro: Pequena Abelha
Autor: Chris Cleave

Medo

“Vai ver que sou burra demais para ficar com medo.”

“O terror, o medo, em seu país é algo do qual você toma uma dose de vez em quando para se lembrar de que não sofre daquilo. Para mim e para as meninas da minha aldeia, o terror é uma doença e passamos mal com ele”

“Adoeci de tanto terror. Dei cabo de minha própria vida vezes sem conta. Descobri que estava levando duas cargas. Sim, uma delas era o terror, mas a outra era a esperança. Descobri que me matara de volta para a vida.”

“A partir do momento em que você está preparada para morrer, não sofre tanto com o terror.”

Livro: Pequena Abelha
Autor: Chris Cleave

Refugiados

“Éramos refugiados de nós mesmos.” 

“A morte, claro, é um refúgio. É para onde você vai quando um nome novo ou uma máscara e uma capa não conseguem mais escondê-lo de si mesmo. É para onde você corre quando nenhum dos principados da sua consciência lhe concede asilo.”

“O filme na sua memória, desse não se pode livrar assim com tanta facilidade. Onde quer que você vá, ele está sempre passando dentro da sua cabeça. Portanto, quando digo que sou uma refugiada, você deve compreender que não existe refúgio.”

Livro: Pequena Abelha
Autor: Chris Cleave

Amor - Pequena Abelha

“Sempre que preciso parar e me lembrar de quanto amei Andrew um dia, basta pensar nisso. O fato de o oceano cobrir sete décimos da superfície da terra e ainda sim meu marido ter conseguido me fazer não notar tal coisa.”

“No primeiro mês, soube que ele não era o homem certo. Depois disso, foi aquela sensação crescente de insatisfação que deixa uma pessoa acordada ä noite. O cérebro se recusando a abrir mão daquelas vidas alternativas que poderiam ter sido.
Se tivesse parado para pensar a respeito, teria percebido que Andrew era parecido demais comigo – que um era tão teimoso quanto o outro; que nossa admiração pelo outro inevitavelmente se transformaria em atrito. A única razão de nos casarmos com tanta pressa foi minha mãe ter me implorado que não me casasse com ele de jeito nenhum. No casamento, um de vocês tem de ser maleável, disse ela. Um de vocês tem de saber dizer: faça como você quer.”

“Foi apenas sexo. Apenas sexo? É o que se diz, não é, hoje em dia? Sexo tornou-se uma daquelas palavras antes das quais se pode dizer apenas. Existe mais alguma coisa que você gostaria de minimizar agora? Apenas infidelidade? Apenas traição? Apenas partir a merda do meu coração?”

“Quando nós dois paramos de chorar, fez-se um silêncio. E esse silêncio tinha um novo aspecto: a consciência de que ainda restara algo por que chorar, afinal.”

Livro: Pequena Abelha
Autor: Chris Cleave