sábado, 30 de abril de 2011

Uma boa lição para um professor competente

"O professor começa daquilo que se conhece e prossegue metodicamente na direção do desconhecido, construindo pontos com os materiais disponíveis, tecendo com rigor suas redes de palavras. As palavras marcham, como soldados, na direção predeterminada.

Mas assim que atravessei o espelho percebi que, lá dentro, as palavras se recusam a marchar. Não obedecem ordens. São surdas ao ritmo do tambor. Elas pulam e dançam como se estivessem num espetáculo coreográfico. É a associação livre ds idéias...Mas quem é que entregaria o seu filho a um professor-dançarino?

O professor dá uma lição; ele lê um texto. E houve mesmo um tempo que recebia o nome de lente, o leitor. Um texto são palavras imobilizadas no papel pela química da tinta. Quando elas aparecem pela primeira vez, seu estado não era este: mais se pareciam com pássaros selvagens, batendo suas asas... O professor armou suas arapucas, pegou os pássaros, selecionou os que lhe interessavam, e engaiolou-os com papel e tinta. Pobres palavras... Perderam sua liberdade. Agora estáo congeladas no tempo e no espaço. Mas depois, quando o professor se puser a lê-las, será a sua vez de perder a liberdade. Agora, sob o comando das palavras escritas, ele será obrigado a dizer aquilo a que elas o obrigam. Mas, no momento da leitura, a física da luz faz com que elas voem do papel para os olhos, dos olhos para a morada dos pensamento, e daí para a boca. E o lente as transforma em sons. Ele as diz. Se, por um acaso, pássaros diferentes passam batendo suas asas, ele faz de conta que não os vê. Se ele se sente tentado a voar com eles, o texto o chama de volta.  Barthes, no seu maravilhoso livro sobre a fotografia, diz que cada foto é uma imagem da morte. O que se vê é um momento que j[a foi, que não existe mais. A mesma coisa pode ser dita de um texto.

Este é o preço que se paga pela segurança. Pássaros selvagens são tão imprevisíveis quanto o Vento; não se sabem donde vêm e nem para onde vão. Sempre que aparecem provocam uma enorme confusão na ordem militar e rigorosa do texto escrito. É óbvio que um professor prudente poderá brincar com elas em casa, mas terá o cuidado de fechar as janelas da sala de aula pois, cso contrário, ele poderá perder o controle do conhecimento que deve transmitir.

Por razões que não conheço, comecei a gostar mais dos pássaros voantes do que dos engaiolados. O fato é que me tornei incapaz de ler meus textos do princípio ao fim. Ao final, ao invés de chegar a uma conclusão clara e distinta, o que tinha era um punhado de fragmentos e perguntas. E comecei a me perguntar se eu ainda era um professor, ou se eu havia me convertido ao estilo dos mestres Zen."

Livro: O Poeta, O Guerreiro, O Profeta
Autor: Rubem A. Alves

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