sábado, 2 de abril de 2011

Morte - Pequena Abelha

"Depressão fora o que matara meu marido – depressão e culpa. Mas meu filho não acreditava em morte, muito menos na possibilidade de a morte ser causada por meras emoções. Meu marido disse estar um tanto perdido. Para um leigo, perdido seria sinônimo de desorientado. Vindo de meu marido, foi um adeus calculado. Como eu gostaria de ter prestado mais atenção nele.

Nunca fui dessas mulheres felizes que insistem que a desgraça acontece de uma forma inesperada. Para mim, existem incontáveis presságios, inúmeras pequenas falhas na normalidade.

Como explicar a meu filho que os sinais de aviso eram sutis demais? Que a desgraça, quando está bem certa de sua força, anuncia-se quase sem mover os lábios?

Quando o olhei de relance pela última vez, antes de fechar a porta do quarto, ainda me seguia com os olhos. Meu marido abriu a boca para dizer alguma coisa, mas eu estava atrasada e fui embora."


"Achei que seria demais querer que meu filho de quatro anos compreendesse a separação entre corpo e espírito. Acho que se eu tivesse conseguido fazê-lo sentar e explicasse tudo com calma ele teria ficado plenamente satisfeito.
- Onde está meu papai agora nesse minuto?
- Seu papai está nas colinas do céu.
- Mamãe, por que eles botaram a chaixa aí dentro?
- Acho que é para ficar bem guardada.
- Onde é que é o céu, mamãe?
- Mais tarde a gente fala sobre isso, querido, está bem?
- Meu papai está dentro daquela caixa?
- Seu papai está no céu, Charlie.
- Aquela caixa é o céu? Mamãe, tira ele daí! Tira meu papai do céu!
(Charlie caiu no buraco, em cima do caixão)
Lá embaixo, no escuro, meu filho estava socando o caixão e gritando:
- Papai, papai! Sai daí!
A mente do meu filho simplesmente não cogitava a possibilidade de deixar de superar aquele desafio. Ele berrava, furioso, enraivecido. Não desistira, mas, se eu quiser ser exata e me forçar agora a definir o momento preciso de toda essa história em que meu coração se partiu de modo irreparável, foi quando vi o cansaço e a dúvida começarem a se apossar dos pequenos músculos de meu filho enquanto seus dedos escorregavam, pela décima vez, na tampa de carvalho claro.

O horror daquela situação, daquela primeira descoberta da morte que era pior do que a própria morte. Eu lutava para me soltar, olhava todos os rostos horrorizados ao redor do túmulo e pensava: por que ninguém faz nada? Mas é difícil, muito difícil ser o primeiro.

Os gritos de meu filho pareceram continuar por um espaço dolorosamente longo de tempo."


“Os adultos não sabem como expressar o pesar. Sabia que deveria me sentir arrasada, é claro. Minha vida perdera o sentido. Não é esta a frase que se usa? Mas lá estava eu de olhos secos. Ainda tentando me sentir triste como deveria. Ainda remoendo as lembranças de minha vida breve com o pobre Andrew. Buscando o ponto crucial, a lembrança que desencadearia algum sintoma de angústia quando fosse resgatada. Lágrimas, talvez, sob uma pressão indescritível. Minha vida entrou num espiral descendente perversa. Não conseguia imaginar passar o dia sem ele.
Era exaustiva essa sondagem da tristeza, sem ao menos saber se havia tristeza a ser encontrada no fundo. A idéia de fugir dali apresentou-se marota e inesperada. Mas a vida tende a não deixar nenhum de nós fugir.”  

“Enterros são sempre assim. Todos os velhos esqueletos saem de dento dos armários da maneira mais teatral. Não se consegue ficar longe deles.”

“Quando ocorre uma perda tão fundmental, suponho que perder apenas uma coisa a mais – um dedo, talvez, ou um marido – não tem a menor importância."

“Se eu estivesse morta, você poderia fazer de mim uma mulher inteira.”

“Não houvera dor imediata e prápia por Andrew porque eu o perdera lentamente. Não é pelos mortos que choramos. Choramos por nós mesmos, e eu não merecia ter pena de mim mesma.”

“Quando todo mundo já morreu, às vezes você acha que seria mais fácil ir se juntar a eles, sabe? Mas você tem de seguir em frente.”

"Temos que ver todas as cicatrizes como algo belo. Uma cicatriz nunca é feia. Uma cicatriz não se forma num morto. Ela significa: ‘Eu sobrevivi.’"


Livro: Pequena Abelha
Autor: Chris Cleave

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